domingo, 31 de janeiro de 2010

Carta à Assembléia Legislativa

Florianópolis, 26 de janeiro de 2010.
Exmo. Senhor Deputado Jorginho Mello
DD. Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina
Nesta

Excelentíssimo Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados:

1.Ao homem público o que mais engrandece é a honra. Assim sempre se desenrolou a minha vida política, disputando eleições e exercendo os mandatos de Vereador, Prefeito por três vezes, Deputado Federal, Senador da República e, agora, Vice Governador.
2. Santa Catarina conhece muito bem a história política do Governador Luiz Henrique da Silveira. Nosso Estado não pode prescindir de todo o cabedal de conhecimento e experiência deste destacado e honrado homem público. Santa Catarina também conhece muito bem a minha história política.
3. No entanto, em novembro de 2009, fui surpreendido com a divulgação de um Inquérito que pôs em dúvida ações administrativas. Nele, aparecem conversas de terceiros e imagens que não retratam qualquer atitude ilícita, ensejando injusta denúncia junto ao Tribunal de Justiça de nosso Estado.
4. Indignado com tudo isso, imediatamente orientei meu advogado no sentido de pedir para agilizar o processo, visando restabelecer a verdade.
5. Como o Tribunal de Justiça de Santa Catarina estava em recesso, declinei de assumir o Governo no dia 5 de janeiro do corrente ano para, em respeito ao Judiciário e aos catarinenses, preparar e apresentar minha defesa.
6. Apesar de ter dito em minha defesa, encaminhada ao Tribunal de Justiça, que abria mão da prerrogativa que o cargo detém, ou seja, a prévia autorização da Assembléia Legislativa, entendeu o Pleno daquela Corte, por maioria de votos, após calorosos debates, que o processamento depende da mencionada formalidade legal, decidindo pelo encaminhamento do pedido de autorização a esta Casa para a apuração das denúncias que a mim são imputadas.
7. A partir da decisão do Tribunal de Justiça surgiram inúmeras especulações em torno do que poderia acontecer. Tenho certeza de que os membros desta ilustre Casa votarão de acordo com as suas consciências e o melhor para o nosso estado de Santa Catarina. Imaginavam alguns que eu fosse me valer da larga base de apoio governamental para interromper a apuração das denúncias que contra mim achacam. Ao contrário. Confio plenamente nos parlamentares que são legítimos representantes do povo catarinense e que sempre fazem valer a independência necessária ao regime democrático.
8. Compareço, por isso, antes do reinicio dos trabalhos legislativos, a esta Casa, dirigindo-me a Vossa Excelência e a cada um dos quarenta Deputados que a integram, para reafirmar que não pratiquei nenhum ato ilícito e, não causei ao Estado de Santa Catarina qualquer tipo de prejuízo. 9. Tenho sofrido muito com as freqüentes manifestações contra a minha pessoa. Estou pagando um preço muito elevado. Meu patrimônio político foi construído com muito trabalho e sacrifício. Espero que a verdade e a justiça sejam restabelecidas. Depois de vinte anos de vida pública e de sete eleições vitoriosas, a minha maior preocupação é a população catarinense. Diante desse intenso massacre a que estou sendo submetido, preocupa-me o patrimônio político. Porém, mais do que tudo, preocupa-me a minha imagem pessoal, a minha moral que está sendo injustamente atingida.
10. Minha angústia pessoal aumenta enormemente quando vejo no dia a dia o sofrimento de minha família, de meus amigos e de todos aqueles que, por me conhecerem, sabem da minha inocência nestas acusações que tentam me imputar.
11. Por isso, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, em respeito a cada um dos membros desta Casa e de todos os catarinenses, indistintamente, me dirijo a Vossas Excelências para pedir que votem favoravelmente ao pedido que o Tribunal de Justiça do nosso Estado lhes encaminhará, para que seja permitida a apuração das denúncias contra mim apresentadas pelo Ministério Público Estadual. 12. Concedida a autorização por esta Casa, apelarei ao Tribunal de Justiça para que envide todos os esforços para agilizar o andamento da apuração. Mais do que ninguém, tenho interesse de ver apreciadas pelo Tribunal de Justiça cada uma das acusações que pesam sobre mim. Confio no Judiciário Barriga-Verde, confio no Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
12. Reafirmo o propósito de trabalhar em favor dos catarinenses, com dedicação e esmero, promovendo em especial as ações que mais possam contribuir para a promoção da dignidade das pessoas que habitam no nosso Estado, em especial aqueles que mais precisam das iniciativas do Poder Público. É com este sentimento, com este propósito, que me disponho a exercer o mandato de Governador, respeitando a todos, inclusive meus adversários.
13. Invocando a proteção de Deus sobre todos nós, rogo para que a verdade, momentamente oculta por circunstancias e interesses não sei de que ordem seja restabelecida.

Atenciosamente
LEONEL ARCANGELO PAVAN
Vice-Governador do Estado

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Um notável isopor na paisagem - Gaudêncio Torquato

Um notável isopor na paisagem
Gaudêncio Torquato

Ao desfilar com um isopor na cabeça, em seu descanso numa praia baiana, o presidente da República escancara a estética que caracteriza um estilo espalhafatoso e de acentuada marca populista. A leitura da imagem estampada nas primeiras páginas dos jornais pode até conotar simplicidade, modéstia, despojamento. Aliás, essa é a significação pretendida por Sua Excelência, a de pessoa comum, capaz de carregar a cervejinha e os petiscos para enfrentar o vigoroso sol dos trópicos. Escudado em instinto apurado, Lula sabe que um isopor sobre a cabeça não desmancha a liturgia que deve presidir os passos de um mandatário de origem popular. Não cria, por exemplo, a dissonância que se viu quando o sociólogo Fernando Henrique, em 1994, desengonçado e de chapéu de couro, montou num cavalo no interior de Pernambuco. Se a popularidade de Luiz Inácio tem que ver com as locuções improvisadas e exacerbadas, sob o leque de analogias esportivas e tiradas de humor, o exagero estético das performances abre furos na régua da credibilidade.

Se os excessos são menosprezados pelo vasto eleitorado que lhe propicia um dos mais altos índices de aceitação entre os chefes de Estado da República, a explicação se deve aos pacotes de benesses que o lulismo entrega às classes sociais no contexto de uma crise internacional da qual o País, pelos potenciais e condições macroeconômicas, tem tirado vantagens. Erros de governantes costumam ser perdoados quando os acertos assumem maior relevância. É o que ocorre no nosso meio. Nem por isso, porém, se podem apagar da planilha administrativa promessas não cumpridas, tarefas não realizadas, particularmente no campo dos avanços institucionais. Luiz Inácio, que as fez em profusão, teria condições, por sua origem e história, de comandar o maior processo de modernização política da História brasileira. Não o fez, menos por convicção e mais por conveniência. Iguala-se, por isso, aos antecessores. Com essa pontuação se apresenta o livro do pesquisador inglês Richard Bourne (Lula do Brasil - a história real, do Nordeste ao Planalto), que expõe as tentativas do presidente de "resgatar seus compatriotas da pobreza e consolidar a democracia, embora o favoritismo e o apadrinhamento continuem a desfigurar o cenário político". Só mesmo fanáticos e radicais empedernidos discordam da conclusão a que chega o autor: o trabalho do ex-metalúrgico "como construtor da democracia e de uma sociedade mais justa está visivelmente incompleto".

Os acertos do governo Lula são muitos, a partir da condução da política econômica e da implantação de uma extensa rede social, mesmo se sabendo que sobre esta há críticas no que diz respeito à ausência de programas estruturantes. E onde estão os desacertos? A resposta comporta, preliminarmente, uma observação sobre mudança nas sociedades em desenvolvimento. A ciência política ensina que reformas significam mudança de valores e padrões de comportamento tradicionais, fortes programas de educação, racionalização de estruturas, organizações funcionais, eficientes critérios de desempenho, além de distribuição mais equitativa de recursos materiais. Não há como negar que, no caso brasileiro, este último componente é buscado, até porque a política de distribuição de renda funciona como eixo central do lulismo. A estrutura social, porém, sem contrapesos de monta em outras vertentes, desnivela o governo, ao envolvê-lo com os braços de um populismo demagógico atrelado ao passado. As margens carentes, como se sabe, dão seu voto a candidatos de direita, identificando-se com o conservadorismo político. Se a expectativa desse grupamento se resume à esperança de um Estado cada vez mais gordo e leniente, Lula é a própria síntese do ditado popular "juntar a fome com a vontade de comer".

A verdade é que tateamos no escuro. Na frente educacional, os tropeços acumulam-se sob a fumaça de fogueiras continuadas. Não se registram processos racionais de significação. Ilhas de excelência, como a Embrapa, são raras. O desempenho por mérito deixa a desejar, eis que a máquina inchada é comandada por quadros partidarizados. De 37 Ministérios, poucos conservam identidade nítida. Anote-se que Lula venceu dois pleitos envergando a bandeira da mudança, termo que abriu o primeiro discurso de posse. Na esfera política, pouco se avançou. A tão propalada mãe das reformas é substantivo que perdeu sentido. Na área tributária, os entes federativos continuam a disputar as fatias do bolo, com a guerra fiscal no pano de fundo. A Previdência é uma bomba. Mais cedo ou mais tarde, explodirá. O déficit acumula-se a cada mês. Este ano deverá ultrapassar a casa dos R$ 40 bilhões. As relações do Poder Executivo com o Poder Legislativo obedecem a uma agenda de interesses. O presidencialismo de cunho imperial transforma as Casas Legislativas em Poder tutelado. Sobre ele o governo usa um rolo compressor. Em troca, libera recursos e distribui cargos. Bourne lembra que "a primeira presidência de Lula foi obscurecida pela sombra negra do papel oculto do dinheiro na política".

Para agradar a bolsões de esquerda e movimentos sociais, a partir do MST, Lula distribui verbas polpudas. Um duto irriga a roça das centrais sindicais. O sindicalismo vive de eventos. O núcleo dos Direitos Humanos impregna-se de revanchismo. E, assim, os padrões da política pouco avançam. Já o Judiciário ganhou reforma meia-boca pela Emenda Constitucional 45. O ministro Joaquim Barbosa tem defendido a reinvenção desse Poder, que "tem uma parcela de grande responsabilidade pelo aumento das práticas de corrupção em nosso país". O ministro enumera as mazelas: práticas arcaicas, interpretações lenientes e muitas vezes cúmplices para com atos de corrupção e, sobretudo, com sua falta de transparência no processo de tomada de decisões.Não é de admirar que nem a paisagem desolada das tragédias que assolam o País neste ciclo de chuvas torrenciais consiga tirar o sossego de Lula, o filho do Brasil, impávido, com seu isopor na cabeça.

Gaudêncio Torquato,
jornalista, é professor titular da USP e consultor político

O Estado de São Paulo
10.01.2010

domingo, 10 de janeiro de 2010

A Presunção da Inocência - Leonel Pavan (*)

Em todas as entrevistas que dei nas últimas semanas insisti muito na importância que atribuo tanto à Polícia Federal como ao Ministério Público, duas instituições relevantes para a consolidação da democracia brasileira. Sempre que há indícios de um crime - repeti isso várias vezes - cabe à primeira delas investigar e à segunda oferecer a denúncia de acordo com os subsídios oferecidos pela investigação.

Tenho falado também do meu desconforto e da minha angústia em ter de provar à opinião pública que sou honesto e inocente. Qual cidadão não teria?

Não quero aqui e agora antecipar-me aos fatos e nem tão alongar um assunto que deve ser tratado pela Justiça. Quero, apenas, com serenidade e espírito público, compartilhar com a população catarinense alguns raciocínios, nos quais transparece, de modo inequívoco, minha inocência. Faço-o por itens:

1º) - Sou acusado de haver recebido vantagens em dinheiro de uma empresa para intermediar, junto a funcionários da Fazenda, um benefício por ela pleiteado. Qual benefício? O de evitar o cancelamento de sua inscrição em Santa Catarina em virtude de um débito desta junto ao Fisco Estadual. Atendi os representantes da empresa do mesmo modo que atendo a centenas de pessoas ao mês. Este é um dever dos homens públicos: fazer encaminhamentos dentro da legalidade. A inscrição da empresa foi cancelada e continua cancelada, sendo que o débito persiste! O que eu pergunto é o seguinte: que empresa será capaz de pagar uma propina para não receber o benefício pleiteado ?

2º) - O Inquérito conduzido pela Polícia Federal teve início ainda no ano passado (2.009). De lá para cá, assumi várias vezes o cargo de governador em substituição ao titular. Se tivesse algum interesse em atender ao pleito ilegítimo dessa empresa, não seria mais fácil fazê-lo na condição de governador que tem competência para tanto, uma vez que o vice não possui essa atribuição legal ?

3º) - Acusam-me, sem provas, de haver pressionado funcionários da Fazenda catarinense para impedir o cancelamento da inscrição da empresa. Sem embargo de que alguma testemunha confirme tal fato, a verdade é que o cancelamento ocorreu e persiste até hoje, não havendo qualquer prejuízo para o Estado. E o débito da empresa junto ao Fisco Estadual persiste e não vejo como o cancelamento da inscrição possa ser suspenso se o débito não for quitado.

4º) - Sou acusado ainda de violação de sigilo profissional e advocacia administrativa, o que não tem a mínima procedência! É público e notório o dever dos políticos de se informarem da verdadeira situação de empresas e cidadãos, que atuando no comércio e na indústria, têm compromissos com a manutenção de empregos e com a atividade econômica. No caso, tomando conhecimento de que existiam problemas que poderiam interferir na economia da região, apenas procurei me informar a respeito.

5º) - À primeira solicitação da Polícia Federal, de boa-fé, compareci sozinho, sem a companhia de advogados. Surpreso, tomei conhecimento de que havia sido indiciado pelo delegado de polícia em ato , que me parece, ilegal, pois somente o Tribunal de Justiça, conforme prerrogativa Constitucional, por deliberação majoritária de seus desembargadores, teria legitimidade e poder para tanto.

6º) - Não parece lógico concluir que, se eu tivesse alguma culpa, jamais teria ido prestar esclarecimentos à polícia sem o apoio de advogados ? Lá estive, inocentemente, com o espírito aberto, próprio dos homens públicos de bem, que jamais deixariam de colaborar com a Justiça.
Ignoro o tipo de motivação que pode ter-me envolvido nesse caso. Com a fé inabalável na Corte Catarinense, espero contar com a generosidade da população de Santa Catarina concedendo-me neste momento histórico a presunção da inocência, direito de todo e qualquer cidadão, pedra angular do Estado Democrático de Direito.

*Vice-Governador de Santa Catarina

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

BANCO DOS USA VÊ SERRA MAIS PREPARADO

Segundo relatório do JPMorgan, ministra Dilma deve fortalecer modelo de desenvolvimento baseado na intervençãoBanco acha que estabilidade da economia está garantida seja qual for o resultado das eleições, mas vê diferenças entre os dois pré-candidatos

A nove meses das eleições presidenciais, e antes mesmo da definição do quadro de candidatos, vices e respectivos programas de governo, o banco americano JPMorgan opinou que o governador de São Paulo, José Serra, é mais preparado do que a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) para lidar com os desafios econômicos "de longo prazo" do país.

No documento, intitulado "Brazilian Election Countdown #3" (Contagem Regressiva para as Eleições Brasileiras #3), Serra é descrito como o candidato mais determinado a remover, "de uma vez por todas", entraves fiscais que inibem o investimento público e impedem a redução mais acentuada das taxas de juros.

"Enquanto a diferença entre os dois candidatos possa não ser dramática no curto prazo, existe a impressão de que a oposição está mais determinada a promover, de uma vez por todas, uma agenda de longo prazo para solucionar os problemas fiscais", diz o texto, distribuído a investidores.

Não há clareza, no documento, quanto à natureza desses problemas fiscais. Existe apenas a menção de que Serra teria mais condições e vontade de promover a eficiência do sistema tributário, eliminando impostos contraproducentes.

Enquanto Serra é descrito como o candidato que eliminaria ineficiências, a ministra Dilma é vista como tendo um viés mais intervencionista.

"Há diferenças entre os candidatos", diz a análise. "Nossa percepção é que, enquanto a candidata oficial irá provavelmente fortalecer um modelo de desenvolvimento baseado no Estado forte e na intervenção pública no setor privado, os problemas de longo prazo serão mais bem tratados pelo candidato de oposição José Serra."

O documento ressalva que, seja qual for o resultado das eleições, os pilares macroeconômicos estarão assegurados. A principal diferença entre os dois possíveis candidatos seria de visão com relação ao papel do Estado e às prioridades.

"Agora que a fase de estabilização da economia acabou e o país parece estar entrando em uma fase de crescimento sólido, há muito em jogo com relação ao planejamento de longo prazo", diz a análise do banco, assinada pela estrategista Emy Shayo e por Fábio Akira Hashizume, economista-chefe do JPMorgan no Brasil.

Procurados, o Palácio do Planalto e a Casa Civil não quiseram se manifestar, assim como o Palácio dos Bandeirantes. Um assessor do governador Serra afirmou que a análise "não tem nenhuma relevância eleitoral".

À Folha, o economista Fábio Akira, um dos dois autores do documento, afirmou que o JPMorgan não pretendeu, com a análise, julgar a capacidade administrativa dos possíveis candidatos. "Não avaliamos pessoas, mas os dois períodos de governo, quase tão longevos: o petista, que completa sete anos, e o tucano, de oito anos.

"Akira também reconheceu que, para avaliar melhor as prováveis candidaturas, é preciso esperar a definição dos candidatos a vice e dos respectivos programas de governo.

Folha de S. Paulo - 08/01/2010
MARCIO AITH

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

ECONOMIA VERDE - JOSÉ SERRA

Esquenta a reunião da ONU em Copenhague, sobre as mudanças climáticas. Importantes nações, entre as quais EUA, China, Japão e Índia, anunciaram sua disposição em reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE). Vamos ver se é verdade e torcer para que haja um amplo acordo diplomático para enfrentar o aquecimento global do planeta.

Inicialmente tímido, o Brasil também melhorou sua posição, o que é positivo. Não se deve temer a agenda ambiental, como se ela representasse uma ameaça ao crescimento da economia. Pelo contrário. Contando com o ativismo do Estado, e graças ao enorme potencial das energias renováveis em nosso país, excelentes oportunidades podem se abrir para o desenvolvimento sustentável brasileiro.

Por essa razão vim para a Dinamarca por três dias. Primeiro, quero mostrar a política de mudanças climáticas de São Paulo, recentemente transformada em lei estadual. Mais que a meta de redução de 20% nos GEEs até 2020, com base em 2005 — redução absoluta, diga-se, não mera reversão de tendências — os compromissos públicos exigidos abrem uma rica, embora dificílima, agenda de trabalho ambiental na próxima década.

Destaco que a nova lei obriga, no prazo de um ano, ao governo de São Paulo apresentar um plano para o transporte sustentável no estado.

Definitivamente, chegou a hora de colocar as ferrovias e hidrovias no primeiro plano das estratégias de crescimento. Muito investimento terá que ser feito para equilibrar e articular os modais de transporte de cargas. Quanto à mobilidade urbana, nosso plano de expansão do transporte metropolitano, em execução, configura o maior projeto de transporte público já realizado no Brasil. Vamos investir, nesses quatro anos, R$ 20 bilhões em Metrô, CPTM e EMTU/SP, abrindo caminho para quadruplicar a rede sobre trilhos com qualidade de metrô (linhas novas e modernização das antigas linhas de trens urbanos). E até 2020 o transporte sustentável terá que avançar ainda mais, pois facilitar o deslocamento das pessoas e reduzir a necessidade de utilização do transporte individual reduzem a poluição atmosférica e rebaixam a emissão de CO2.

Uma razão mais pessoal me trouxe a Copenhague. Como economista, entendo que o processo em curso, de descarbonização das economias, levará a um novo padrão de produção e de consumo no mundo. Distinto daquele erigido desde a Revolução Industrial no século XVIII, nasce outro paradigma na geração de riquezas, que levará finalmente à economia verde, gerando novos empregos e renda para combater a desigualdade social. Acredito que, nessa construção, os países e as empresas que tomarem a dianteira das inovações tecnológicas sairão ganhando na competição internacional.

Nós não podemos perder essa chance da história, transformando o Brasil numa verdadeira potência ambiental.

O tema é fundamental. Estamos em São Paulo preparando, através da Nossa Caixa Desenvolvimento, agora nossa agência de fomento, um amplo programa de financiamento, da ordem de R$ 1 bilhão, com juros reduzidos, para as empresas investirem na redução de suas emissões de GEEs. Não adianta apenas bradar pelas mudanças ecológicas, nem definir metas vazias. É necessário incentivar os setores empresariais, na indústria, na agricultura e nos serviços, a promoverem as modificações necessárias à futura economia de baixo carbono.

No Brasil, sabidamente, o desmatamento representa a grande fonte de emissões de GEEs. Isso não pode continuar. Seja articulando para que o mecanismo conhecido como REDD (Redução de Emissões para desmatamento e Degradação) se transforme em realidade, seja melhorando, em muito, a fiscalização ambiental na Amazônia, torna-se necessário estancar a devastação florestal, certamente a pior forma de crescer uma economia regional.

Quero, todavia, chamar a atenção para a importância da recuperação ambiental das áreas degradadas.

Em São Paulo, onde viramos a página do desmatamento, estamos reflorestando as matas ciliares do território, protegendo rios, córregos e nascentes d’água.

A Secretaria Estadual do Meio Ambiente já cadastrou 370 mil hectares de áreas em recuperação, dentro de uma meta que visa chegar a 2020 com um milhão de hectares recuperados. Devido à fotossíntese realizada nas plantas, o potencial de absorção de CO2 da atmosfera é notável, atingindo 65 milhões de toneladas, cerca de metade das emissões totais de São Paulo estimadas em 2005.

Na matriz energética, a “renovabilidade” paulista alcança 56% do consumo, contra uma média mundial de 13%. São Paulo produz 64% do etanol nacional e 25% do mundial.

Utilizando-se da tecnologia dos veículos flex, o combustível alternativo avança, estimulada por uma redução no ICMS do Estado de 25% para 12%. Menos imposto, mais ambiente.

O ecodesenvolvimento, conforme o cunhou pioneiramente Ignacy Sachs — aliás, vale a pena ler seu livro autobiográfico, da Cia das Letras — depois batizado de desenvolvimento sustentável, exige uma nova compreensão sobre a relação entre o Homem e a Natureza. Agora, acrescido do aquecimento global, a imperiosa necessidade de redução nas emissões de GEEs aponta para uma verdadeira revolução. Precisamos nos preparar, em nome das gerações que ainda nem nasceram, para esse enorme desafio.

José Serra
Publicado em O Globo
16/12/2009