José Goldemberg
O físico José Goldemberg é um dos principais cientistas brasileiros especializado em produção de energia. Foi reitor da Universidade de São Paulo, secretário de meio ambiente do governo paulista e ministro da Educação. Em 2008, recebeu o Prêmio Planeta Azul, considerado o Nobel do Meio Ambiente. Nesta entrevista, ele discorre sobre o aumento de prestígio das energias renováveis no cenário mundial e faz uma avaliação sobre os rumos da política energética brasileira.
Atualmente 80% do consumo energético mundial é abastecido por combustíveis fósseis. É possível operar alterações necessárias na matriz energética mundial para minimizar o aquecimento global a curto, médio ou longo prazo?
A União Européia decidiu introduzir em sua matriz energética 20% de energias renováveis até 2020. Essa é a proposta mais realista que existe em andamento. Os Estados Unidos estão discutindo uma lei sobre esse assunto, foi aprovada na Câmara de Representantes, mas ainda precisa passar pelo Senado. Se for aprovada, terá mais ou menos o mesmo efeito da lei européia. Esse cenário traz boas sinalizações. O fato é que as tecnologias existem e já são competitivas. Algumas ainda apresentam elevado custo e não são atrativas para o mercado como, por exemplo, as instalações fotovoltaicas. Contudo, temos a tecnologia eólica e o etanol mostrando que há espaço. A decisão política que foi tomada pelos governos da União Européia e agora pelos EUA aumentará a escala de produção e com isso o preço deve cair.
Existem grupos que avaliam que até o ano de 2050 poderemos ter 50% de energia renovável. Porém, isso ainda representa muito tempo. As previsões para o ano 2020, na minha avaliação, são bastante realistas. A Dinamarca e Alemanha comprovam que essas tecnologias funcionam, pois se tornaram competitivas. Aqui no Brasil, alguns espalham rumores de que estas energias renováveis não são competitivas. Porém, se o são na Europa, porque entre nós seria diferente?
Como o Brasil pode aproveitar o cenário favorável às energias renováveis ganhar espaço nas negociações internacionais?
O Brasil pode comparecer em Copenhagen com uma posição, digamos, moralmente superior. Atualmente as energias renováveis são responsáveis pelo atendimento de 44% da energia consumida no país. Porém, o governo brasileiro precisa ir à Conferência das Partes com propostas firmes de redução das suas emissões. A única coisa que ele fez até agora foi declarar que reduziria o desmatamento na Amazônia. Mas é preciso que essa declaração esteja acompanhada de medidas governamentais e de uma manifestação unificada do governo. Comparecer à Dinamarca com propostas firmes e representativas do conjunto do governo seria um exemplo para outros países, como a China, Índia e Indonésia. Com isso, o Brasil poderia assumir posição de liderança.
Ao mesmo tempo em que o país busca essa liderança nas energias renováveis, elabora um Plano Decenal de Energia com ampliação de geração termelétrica. Como essas contradições podem refletir no desempenho do Brasil nas negociações?
Esse plano está na contra-mão e precisa ser reformulado. Caso contrário, o Brasil vai perder a oportunidade de aparecer bem em Copenhagen. Evidentemente outros governos e as organizações não-governamentais devem cobrar do país o motivo de decidir sujar sua matriz energética. Esse tipo de decisão do governo precisa ser revista já.
De acordo com o Ministério das Minas e Energias, o leilão com termelétricas é uma questão conjuntural, por falta de hidrelétricas licenciadas para suprir a demanda. Esse argumento é aceitável?
O governo se esforça, mas o que de fato acontece é que não existem estudos adequados de hidrologia para novas usinas hidrelétricas. Mais uma vez, problemas no planejamento. O Brasil só explorou até hoje 35% do seu potencial hidrelétrico. Ainda tem 65% para explorar, mas é preciso que o governo trabalhe mais e faça os levantamentos para que as usinas hidrelétricas possam ser licitadas.
O investimento em energia nuclear também deve ser ponto de cobrança?
Acredito que até agora não, pois o governo não tomou nenhuma decisão comprometedora. Claro que Angra 3 deve ser alvo de grandes reclamações. Mas se o governo fizer o lançamento de um grande programa nuclear, isso naturalmente repercutiria extremamente mal.
É preciso que o governo entenda que a energia nuclear vai contribuir muito pouco para os problemas de energia do Brasil e não há necessidade de seguir nessa direção. Quando Angra 3 resolver ficar pronta, vai produzir aproximadamente 1 milhão de quilowatts. Isso é cinco vezes menos do que deve produzir a usina hidrelétrica do Rio Madeira. E é também cinco vezes menos do que a energia que será produzida em São Paulo queimando bagaço de cana, que é renovável. Embarcar no caminho da energia nuclear traz controvérsias, tem um custo muito elevado e destoa do rumo que seria mais interessante para o Brasil.
A exploração do pré-sal tem um custo muito elevado. Isso pode barrar os investimentos em energias renováveis?
O pré-sal claramente é uma sinalização equivocada. Algumas autoridades brasileiras, ligadas à Petrobras, avaliam que o Brasil pode se transformar em um grande país petrolífero, numa época em que toda a indústria do petróleo está sob vigilância cerrada dos ambientalistas e quando há a necessidade de mudar para um modelo menos carbono intensivo. Além disso, esse assunto ainda está no campo da hipótese. O pré-sal não produzirá nenhum petróleo antes de dez anos. De modo que existem questões mais urgentes a serem resolvidas antes – ou seja, se deve investir em renováveis prioritariamente.
Outro aspecto é o alto custo da exploração do petróleo. Há pouco tempo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, declarou que irá exigir que a exploração do petróleo do pré-sal tenha compensações ambientais. Ou seja, as emissões resultantes da exploração do pré-sal deverão ser compensadas por meio de outras medidas, como por exemplo, a captura de carbono. O problema é isso pode encarecer mais ainda o petróleo do pré-sal.
Ainda há risco de apagão no Brasil?
Havia até o ano passado, mas como choveu bastante e o risco de apagão foi afastado. Porém, é preciso tomar medidas estruturais, pois a única maneira de proteger o Brasil de futuros apagões é construir usinas hidrelétricas com reservatórios de água, o que deixou de ser feito há muito tempo. Então, não existe um pulmão que garanta a segurança energética na ausência de chuvas.
A ausência desse pulmão mostra que o planejamento estratégico na área de energia ainda é falho?
Na minha opinião é muito falho. Outro exemplo de falha de planejamento foi a decisão tomada pelo governo de realizar os leilões de energia termelétrica a carvão e óleo combustível. Essa opção é desastrosa para a matriz energética brasileira. É o resultado da orientação que o governo tem dado a essa questão e que precisa mudar rapidamente.
Publicado por:
Mudanças Climáticas